Por Danielle Barg
Estão se tornando cada vez mais comuns as notícias de pessoas – geralmente, mulheres – que têm sua intimidade invadida e acabam enfrentando uma série de consequências negativas. Nos casos mais extremos, algumas delas desistem da própria vida, com medo da reação dos amigos, da família e da sociedade como um todo, uma vez que qualquer tipo de material pode alcançar a casa dos milhões de visualizações com a ajuda das redes sociais.
Entre os casos mais recentes está o de Júlia Rebeca, 17, do município de Parnaíba, no Piauí, que teria se matado depois da divulgação de um vídeo em que aparece fazendo sexo com duas pessoas, um rapaz e outra garota. O outro caso aconteceu na cidade de Veranópolis, na Serra Gaúcha, no último dia 20. Uma adolescente de 16 anos cometeu suicídio após ter compartilhada, via celular e redes, uma imagem em que aparece seminua.
As duas situações acima têm, além da fatalidade, outro ponto em comum: o momento foi divulgado por pessoas com as quais elas se relacionaram, mantiveram contato íntimo e compartilharam o fetiche de registrar a ação. Entre quatro paredes, tudo é possível, mas recomeçar depois de tanta exposição nem sempre é algo simples. No entanto, é preciso se reerguer para que este tipo de situação não acabe resultando em finais tão trágicos.
Com a colaboração de Miriam Barros, psicóloga clínica e psicoterapeuta de crianças, adolescentes, casais e famílias, e Ana Carolina Furquim Bertoni, psicóloga e analista do Comportamento, o Terra reuniu algumas dicas para quem já passou ou está enfrentando este tipo de problema. Saiba também como se cercar para que um simples fetiche não vire um pesadelo.
Elas sofrem, eles ‘se acham’
É perceptível que o sexo feminino é o mais prejudicado nesta história. Para Ana, homens e mulheres reagem de forma bem diferente e a explicação seria o machismo ainda presente na sociedade brasileira. “O papel do homem é ser conquistador, caçador, e o da mulher é o de ser a ‘princesa virgem’. Assim, não é raro nos depararmos com comportamentos totalmente opostos: o homem é valorizado quando expõe uma foto ou um vídeo íntimo, é como um troféu que ele exibe aos amigos. Já a mulher fica sendo a ‘vagabunda’ que teve relação sexual, a ‘pecadora'’’, analisa. Ela observa que a diferença fica nítida nas escolas, nos círculos de amigos e até mesmo dentro das próprias famílias. “As mulheres ficam extremamente constrangidas quando se dão conta de que seus pais vão ter acesso a um comportamento que parece indesejável.”
Driblando a chantagem
Muitos casos têm origem em uma chantagem emocional – a pessoa ‘abandonada’ pode usar o material íntimo para tentar reatar a relação. Diante disso, o ideal é evitar o embate. Xingar ou retrucar com ameaças também não é uma boa ideia, já que, segundo Miriam, “chantagem é uma forma de agressão”. “Procure falar apenas o mínimo com essa pessoa e evite os encontros pessoalmente. Você não sabe com quem está lidando. Se por algum motivo tiver que se encontrar com esta pessoa, vá acompanhada”, recomenda.
Vazou: como agir?
Quando a situação foge do controle, e não é possível evitar a exposição, é hora de agir. “Ameaças e exposição de imagens são crimes, portanto, recorrer à delegacia de crimes eletrônicos é sempre recomendável”, alerta Ana. Quem não tem condição de contratar um advogado para cuidar do caso deve deixar a vergonha de lado e contar com o apoio da família. “Ficar sozinha é muito pior porque a pessoa vai acabar sem saída, sofrendo com a tortura psicológica”.
Abrir a situação para os mais próximos pode ser um grande passo no entendimento do tamanho do problema, e, com isso, a carga psicológica fica mais leve. “Quando se tem uma boa rede social e familiar, é possível lidar melhor com a situação, prever a reação das pessoas e se munir para enfrentar a situação com o apoio de seus pares. A sensação de ser compreendida, perdoada, aceita, minimiza o sofrimento e possibilita a volta à vida. Só conseguimos nos reerguer quando percebemos que há pessoas em nossa volta que nos amam e nos ajudam”, afirma Ana.
Apoio psicológico
Entre quatro paredes é difícil imaginar que um momento íntimo pode passar a ser algo público, ainda mais quando há envolvimento e paixão na jogada. Muitas pessoas não aguentam a pressão psicológica de ser a vítima destas situações. “A pessoa não está preparada para essa exposição e rejeição não sabe o que fazer, o que falar, como se defender. Quando não sabemos como devemos nos comportar, bate o desespero, o sofrimento, a dor”, observa Ana. Também podem ocorrer prejuízos ao convívio social e ao trabalho, diante de tanto constrangimento e preconceito. Nestes casos, Miriam recomenda que a pessoa procure o auxílio profissional de um psicólogo.
À espera do próximo hit
Apesar de todo o transtorno, Miriam ressalta a efemeridade da internet. “As primeiras semanas são as mais difíceis. Mas na internet é assim – hoje está lá, amanhã já é outra coisa.” Por isso, a especialista indica que, neste primeiro momento, a pessoa saia um pouco de cena e se isole do círculo social para se proteger e esperar a poeira baixar.
Por outro lado, para quem quer ou precisa retomar rapidamente a antiga rotina, uma boa dica é se posicionar para evitar gerar ainda mais curiosidade. “O melhor é dar uma breve ‘explicação’, algo como ‘sim, isto aconteceu, mas não gostaria mais de falar sobre esse assunto, pois fico constrangida’. Uma fala assertiva impõe limite e deixa claro aos outros que a vida deve seguir como era anteriormente”, afirma Ana.
A especialista ressalta ainda que o principal motivador para virar o jogo é a própria vítima. “É fundamental também que a própria pessoa queira e se esforce para passar por cima disso, voltando à sua rotina e agindo da mesma forma que agia antes. Um episódio desse não pode marcar para sempre a vida de alguém”.
Vale também um esforço para tentar recuperar a autoestima e a melhorar a autoimagem. “Na maioria das vezes imaginamos reações muito piores do que as pessoas de fato têm. Nosso pensamento e nossa crítica são nossos piores inimigos, portanto, crie coragem e enfrente o mundo, e assim verá que é possível erguer a cabeça e ter sua vida de volta. Todo mundo já passou e passará por situações embaraçosas, constrangedoras, é preciso enfrentá-las e seguir adiante”, ressalta Ana.
Previna-se da exposição
Fazer fotos ou vídeos íntimos é um fetiche para algumas pessoas. Mas nem sempre ambas as partes estão de acordo e, quando se está apaixonado, é mais fácil aceitar qualquer coisa para agradar o parceiro. Para quem gosta da prática, Miriam avisa: “é um fetiche de risco”. Ela afirma que por mais que o casal esteja muito ligado, com o fim do relacionamento as coisas podem mudar. Uma forma de se cercar, segundo ela, é exigindo então que o material não seja compartilhado. “Ela tem que dizer: ‘deixo você me filmar, mas o vídeo fica comigo’
Identifique a cilada
Antes de topar gravar um vídeo ou fazer fotos íntimas, vale também examinar como anda a relação. Para compartilhar um vídeo íntimo ou fazer este tipo de pressão psicológica, é preciso ter uma frieza que, no dia a dia, pode ser identificada, segundo Miriam.
São os casos de pessoas muito egoístas, que não consideram a vontade do outro na relação, as extremamente possessivas, ciumentas e que não toleram frustrações. “Se a pessoa te persegue, grita com você se você não liga, vive no seu pé, explode por qualquer motivo, você vai gravar um vídeo com ela? Estes são sinais que indicam que essa é uma relação perigosa”, alerta. A psicóloga reforça que o chantageador geralmente é uma pessoa muito insegura. “Ele precisa deste recurso para trazer o outro de volta, e é um recurso totalmente descartável porque isso não traz ninguém de volta”.
Lei Carolina Dieckmann
Muitos famosos já foram vítimas da exposição indevida na internet. Aconteceu com Carolina Dieckmann, que teve fotos íntimas compartilhadas depois que seu computador foi invadido. O caso da atriz deu origem à lei que leva o seu nome e tipifica crimes cibernéticos, que entrou em vigor no último mês de abril. Com a mudança, ficou configurado como crime invadir o computador, celular, tablet e qualquer outro equipamento de terceiros, conectados ou não à internet, para obter, destruir ou divulgar dados sem a autorização do dono do aparelho. As penas para o crime variam de multa a até um ano de prisão.
Com a recente repercussão do tema, com os novos casos de suicídio, a pena passou a ser revista. Em entrevista à revista Marie Claire, o deputado federal Romário falou a respeito do projeto de lei de sua autoria, que transforma em crime a divulgação indevida de material íntimo. Para ele, a punição atual ainda é branda. “Normalmente se paga uma indenização por danos morais. Eu proponho uma tipificação específica, com aplicação de pena de três anos de detenção mais indenização da vítima pelas despesas com perda de emprego, mudança de residência, tratamento psicológico”, disse à publicação.
Komen